Projeto pronto de arquitetura: uma prática ilegal, mas recorrente
07 de agosto 2024 • 4 min de leitura
A proposta alienígena e fast-food dos projetos prontos de arquitetura: prática ilegal, mas recorrente.
Vivemos hoje a era do digital proveniente da evolução das tecnologias digitais, principalmente a partir do surgimento e utilização frequente da internet no dia a dia. Era do instantâneo, ainda que não tão verdadeiro - pois muitas relações transmitem ideia de agilidade, mesmo que não ocorram em poucos segundos [1]. Era dos aplicativos digitais e do mobile. Era do fast-food: uma vez que as relações humanas tornaram-se cada vez mais ágeis, atarefadas e corriqueiras, a era da alimentação apressada também conquistou sua aceitação e identificação.
Toda essa vertente de agilidade e de correria presente na vida urbana (às vezes, até fora dela) também adentrou a arquitetura contemporânea. A construção do edifício passou a ser visto como algo demorado e moroso. As técnicas construtivas tradicionais ou modernas não alcançam a agilidade dos aplicativos de internet, por isso são considerados lentas. Equivocadamente os projetos, cada vez mais, foram deixados de lado pela usurpação de uma falsa agilidade construtiva. Ou ainda, por motivos escusos de licitação pública e super faturamento de obras. Neste contexto, porém, o que mais nos chama atenção é que nos últimos anos vem surgindo um novo tipo de projeto de arquitetura: o projeto pronto como prática de arquitetura alienígena[2] ou fast-food [3].
Definimos aqui um projeto como "alienígena" como sendo aquele que ignora a condição local, regional ou mesmo a necessidade humana e social do edifício arquitetônico. Um projeto deve considerar sua adequação às necessidades humanas, seja ela do cliente ou das pessoas que irão utilizá-lo. Essa adequação provém da pesquisa, concepção e projeto arquitetônico e resulta na sua posterior construção, satisfazendo necessidades e condições técnicas e sociais que estarão presentes numa edificação.
Infelizmente alguns arquitetos desconsideram, na atualidade, o Código de ética e disciplina profissional do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU). O CAU atenta ao Interesse Público de uma edificação (seja ela qual for) como infere o código de ética no item 2.1.1. Um projeto de arquitetura deve oferecer princípios de sustentabilidade da edificação na "sua inserção harmoniosa na circunvizinhança, e do ordenamento territorial, em respeito às paisagens naturais, rurais e urbanas." Um projeto alienígena, que já está pronto para ser vendido, desconsidera a legislação do CAU e também as condições básicas de um bom projeto. Porque este desconsidera o clima regional e local, a inserção no terreno, a ventilação e insolação locais, a cultura regional etc. Um edifício não pode ser considerado como uma nave espacial (alienígena) que pousa sobre qualquer lugar sem referenciar-se ou adequar-se a ele. Uma nave espacial não dialoga com o local e a cultura, tampouco atende a todas às necessidades humanas devido às suas características especificas para qual fora projetado.
No contexto mencionado acima, destacamos outro tipo de projeto: o projeto fast-food. Chamamos aqui de projeto fast-food o projeto que se mostra com total agilidade como seu fosse um produto pronto (como um item de prateleira. Mas projeto não é produto, pois arquitetura é um serviço). Atualmente alguns arquitetos desconsideram o código de ética profissional no item 5.2.3, ao oferecer preços prévios para o desenvolvimento de trabalhos que ainda não foram sequer objeto de convite ao profissional ou de entendimento de escopo. Como é possível precificar algo que ainda não se sabe como será? Projeto de arquitetura é serviço porque depende do entendimento de inúmeros fatores para sua realização e oferta justa, racional e coerente de precificação. Ao oferecer um projeto pronto com custo definido ignora-se qualquer razão justa da realização de serviços, objetivando somente sua venda e capitalização de recursos. Além de antiético (código de ética do CAU), é também injusto. Não atende ao Interesso Público na prestação de serviço profissional de arquitetura.
Conclusão
Arquitetura é arte e também ciência: "arte e técnica de organizar espaços e criar ambientes para abrigar os diversos tipos de atividades humanas, visando tb. a determinada intenção plástica."[4] Ao realizar um projeto o arquiteto deve utilizar sua experiência, sua técnica e seu empenho (trabalho propriamente dito) na compreensão e realização do projeto e construção. Soluções prontas de projeto não agregam valor a arquitetura, nem muito menos ao ser humano. Todo edifício situa-se em condições diferentes do que outro, seja pelo local diferente, tempo, cultura regional, clima, escopo de necessidades, orçamento disponível, etc; não sendo possível que um único projeto atenda universalmente todos os locais e tipos de obras.
Projetos alienígenas e fast-food são antiéticos[5] e de baixa qualidade[6]. Proclamam uma arquitetura injusta e falsa por não constituem uma arquitetura real e verdadeira. Objetivam o lucro próprio. Concorrem para o mau exercício da profissão e desconsideram aspectos locais, climáticos e ambientais necessários para uma boa arquitetura.
Caso tenha conhecimento de sites irregulares, que vendem projetos prontos online, você pode realizar uma denúncia junto ao CAU para averiguação[7].
Notas e referências
1. Um dos grandes recursos dos aplicativos digitais é devolver uma interação ao usuário transmitindo-lhe uma ideia de que sua ação tenha sido realizada, mas geralmente a ação é enviada para uma lista de processamento, ocorrendo realmente em alguns segundos, minutos, ou mesmo horas após a interação.
2. O termo alienígena aqui utilizado se refere ao projeto de arquitetura que desconsidera características espaciais que são essenciais para arquitetura: a consciente inserção do edifício no tecido urbano e no contexto regional, levando em consideração as características da vizinhança, do clima, do microclima regional (insolação e ventilação) e dos costumes e da cultura.
3. O termo fast-food aqui utilizado se refere ao projeto de arquitetura, que no contexto apresentado deseja apresentar-se como ágil, transformando a ideia de serviço num produto de prateleira.
4. Definições de Oxford Languages
5. Cf. Código de ética CAU. Disponível em: <https://www.caubr.gov.br/arquitetospelaetica/?page_id=16>
6. Cf. CAU Alerta. Venda de projetos prontos pela internet é ilegal. Disponível em: <https://www.caumt.gov.br/cau-mt-alerta-venda-de-projetos-prontos-pela-internet-e-ilegal/>
7. Cf. Denúncia anônima CAU. Disponível em: <https://denuncia.caubr.gov.br/denuncia/anonima/incluir>
8. Créditos da Foto: pxhere